domingo, 2 de maio de 2010

Arcádia

Tempus fugit. Por trás de toda e qualquer coisa há a ventania. Se os dias fundem-se às noites, a culpa é do relógio. Primeiro desejava colocá-lo em meu pulso tal qual uma tatuagem com engrenagens, a revolução industrial que domesticou a rotina. Depois de tê-lo, aprendendo a viver segundo a sua vontade, já não quase posso me centrar no sentido da vida. Então jogo-o no lixo. É, parece ter hora pra se existir. Almoço, colégio, caminhada, telefone, choro. Ou vai dizer que é simples sair gritando e pedindo por ajuda? Quando eu chegar em casa, depois do trabalho e dos minutos perdidos na padaria, vou abrir meu coração. Primeiro vem a aula de fisiologia animal, o esporro na diretoria. Por que é que, sendo nós passíveis de entendimento, burlamos o momento de sentir? Right here, right now. As horas escravizam. Eles culpam o sistema, então vamos pra Woodstock. Sonhar com as letras de Dylan e a poesia salingeriana. Ora, tragam-nos Pasárgada. Corramos do tempo.
Não houvesse relógio eu deixaria de reclamar por me ligar tão tarde ou cedo. Seria o instante, a efemeridade, o tempo certo. Você sorriria, a conversa se estenderia a fio. O breve nos uniria. Porque o relógio é desculpa pros problemas, máscara da futilidade. Poesia é real. Físicos trabalharão a fim de descobrir a primeira partícula do segundo universal para provar o quê? O nonsense. Passado, presente e futuro nos organizam com qual finalidade? Perder-se no denso, no interminável vazio diz muito mais. Ao invés de descobrir o mundo, monte seu cubo mágico. É frágil ser humano. Dói. E eles ignoram, supostamente sendo responsáveis e adultos. O país das maravilhas é coisa de criança, Alice. Tolos. Subjugo todos esses incorrompíveis, calhordas correndo atrás dos minutos. Tempo é dinheiro, nada além. Fiquem com o dia D. Aguardem os ratos. Melhor: ouçam seus ruídos atrás da porta. Deixem-me com meus monstros, minhas fotografias no escuro, minha luneta quebrada. Lunática serei ao lado dos grandes vadios. Empinem seus narizes. Só não esperem ir pro céu.
Comprarei um relógio de corda, por sacanagem. Para-se quando quiser, corre-se segundo a velocidade da luz. Criarei tempos paralelos. Um desses guardarei pra dar ao amor de Marília de Dirceu. Em outros costurarei tecidos sintéticos, abrirei janelas para o cheiro de bolo quente ecoar, deitarei na relva, devorarei Virginia Woolf, brincarei com crianças, cortarei as unhas. Minha vingança. Poetas virão, duendes, fadas verdes de absinto. Riam-se os demais. Serei feliz.

Um comentário:

  1. Sempre gostei do tempus fugit. Mas gostei mais ainda das referências mundanas, cê sabe representar cada minuto do jeito que deve ser representado quando a gente os imagina em palavras. Senti um desespero ainda meio organizado, que enriqueceu. Cê escreve muito bem, tá aqui outro que vou reler e guardar. Se cuida.

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