sábado, 12 de junho de 2010

A um outro menino ou à solidão que se compartilha


Eu era um palhaço preso a grilhões, um tolo bandido de mãos atadas. Náufrago na perenidade do tempo. Escuso, parco, moreno dos olhos castanhos. Eu brincava de ser o pracinha na tentativa de bancar segurança aos homens. Jogava futebol como quem chuta latas, e não arrancava sorrisos das garotas do primário. Eu dizia palavras em latim para que dessem crédito a toda aquela confusão que rodeava meus textos. No fundo só queria ser aceito. Daí um dia perdi minhas malas diante do metrô e me sobrou um boné. Dei de cara com esse atalho cheio de barro por onde meus problemas flutuam e o fluxo ameno e nauseante engole uma possível realidade. Dormir aqui não é tão fácil, mas vi que esperar sozinho pelo eterno é besteira. Tomo meus remédios, dirijo uma moto já gasta e me desloco por entre a vida de estranhos. Com o boné na cabeça as memórias refrescam, os dias passam, a gente nem distingue mais a verdade das mentiras enfastiadas. Não quero salvar ninguém, simplesmente. A minha pele já andou em jogo demais. Então eu levo um copo no bolso e jogo conversa fora. Não me interessa o porquê, a vida me despe de explicações. Ando mais um pouco e brindo com alguns amigos. A burguesia morna me parece ideal. Deixo dor a quem a queira sentir. Esqueço-me, pois, de mim.