sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O balaústre

Toda história é um pouco sem fim. Tantas vezes dói chegar num ponto crucial onde, grosso modo, o problema é justificado. Atitudes ganham tons reacionários. Uma espécie de líquido purulento é botado pra fora porque já é hora de dormir e personagens não se articulam longe das mãos de melindrosos escritores. Sempre há decisões a serem tomadas. E é isto o gozado: nomes, esdrúxulos ou não, são dados aos bois. Como diria Drummond "... Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém", um elemento escolhe fazer, desfazer ou ignorar a vazão e a caracterização parece ser acalmada. Entretanto, remates recaem adormecidos.
Durante o sono, durante até a insônia, o propósito dos homens permanece inerte. Corremos, lemos, sorrimos para estranhos. Lá jaz o convite, ao lado do paletó. Quantos achados e perdidos. Tantos solos de piano. O fim não existe pois não há mais engrenagens. A língua da máquina é intransponível. Os fatos literários nutrem desvarios: um livro só conhece seu final quando esfrega o tal gosto da morte nos ombros do leitor. Durante alardes faraônicos ou em capítulos inteiros falando daquela travessa de macarrão na mesa de domingo. Ao tocar nichos e valas nas pequenas desgraças cotidianas. Um livro que me toca acaba consumindo bons pedaços de (des)ilusão. Tenho medo de, adiante, pôr um fim na história mais mirabolante que habita o cerne do cisco onde vivo. Não podem estourar meu invólucro já senil de cigarra. Mas sei que sondam ruir estruturas e estampar pensamentos outrora consagrados. Escrever não acaba enquanto a leitura não mata.
É um desgostar trilhado. É excremento. É a perfídia. Trai-se a fim de não atirar pra cima contando com a surpresa da queda. Tem-se uma mina de ossos e carvão. Falta a coragem de quem padeceu. Carne mansa. Quebra de sigilo com dados viciados. Guerra branca. Livros nas mãos, ode aos loucos. Cala-se e não consente. Toda atenção é dada às letras para que só os personagens peguem no sono. Deixo, por fim, ainda que esse não exista, que pássaros salpiquem meu rosto das poucas letras com que resenho nomes em pedras. Leio de olhos fechados o errante estágio do verbo enquanto é.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sine Die

Negligente, seguiu do outro lado da rua. O dia havia sugado até mesmo suas espinhas no rosto. Enxergava-se através de muitas dimensões, pois a face já soava como casca de árvore que engrossa a fim de contar os anos. Sentimentos paleozoicos. Sempre aquela sensação enrustida em mãos diferentes passando por sua vida confusa. Valia-se de nada, nem do caminhão de experiências por que tinha resistido. Estava mais magra: parecia um esqueleto preservado pelo tempo.
Não sabia explicar se fora machucada ou mastigada por incólumes palavras. Incongruente esse caminhar. E foi andando aos tropeços, num esforço honesto. Ela, a negligente, teve repentino anseio por manter-se de pé. Lembrou de premissas arrastadas por livros. Condenara os clássicos tão ardentemente, e logo tudo transitava pelo clichê. Braços de ninguém. Menina dos olhos despregada. A droga do rompante. Seus cabelos atrelados àquela reação em cadeia alucinógena. Perdida em Verlaine, absorta numa névoa de filmes antigos. Tanto drama. Decerto o velho Goethe sorriria em ironia.
Adiante sibilava uma ponte em tom cinza. Ela não pularia para se justificar. Ela tinha amigos alienígenas enquanto bebia. Ela era escorpiana. Só permanecera em si a demência e a deterioração. Dubiedade de quem jogava com sentimentos alheios e assistia engolirem os seus. Ao menos experimentasse a fraqueza e a sinceridade do anonimato. Dar adeus aos velhos fantasmas, tirar a roupa no meio da rua. Seguir cartilhas e jogar no bingo. Contava mais do que a surpresa do ato, tornaria-se uma questão onde estratagemas eram postos ao alto.
Quis ouvir música, então cantou. A voz, envolvendo ponte, luz, calçada suja e insetos no chão, era doce e destoava da vida. Como assim? Destoava. Não desbotava nem dava ar sadio. Um provocante afluxo de ondas. Quisesse provocar um rapaz, duvidaria de sua capacidade mental. Cria em botões que se pareciam com escaravelhos. A voz doce destoava por ser doce ao pé da noite onde tudo é mentira e nada é verdade. Onde beber traz amigos extraterrestres arrastados por um timbre que gruda. Amigos são sempre bem vindos e umbigos guardam água do último banho. Não pulou da ponte porque faltava procurar por muito daquilo que lera - abominando - nos clássicos.