quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pretexto


Foi embora de novo e de novo e de novo. Cê vai e eu fico, mas pode ser que, pra ti, tu fiques e eu vá. Pode ser tanta coisa. Meus medos quase enroscam nos teus dedos delgados, as vozes se desfazem, cílios brincam como asas de borboletas. Milhares delas flutuam pelas paredes do estômago que nem comida pede, pelo diafragma descompassado à tua presença de brincadeira. Meu amigo imaginário, meu legionário, meu locutor parado no tempo. Vejo em cores, mas te encaixaria num radinho azul de pilha. Engraçado como tu cabes em cada pedaço da minha cabeça. Vem dormir aqui, encosta teu jeans nos joelhos redondos, molda uma careta pra mim. Não sei quanto tempo a gente pode durar e, sinceramente, pouco importa. Já marcou, pois tu fizeste um buraquinho no coração pra dar de beber água com açúcar - feito os passarinhos. Agora me deixa ficar no bolso, te ligar com o sol nascendo numa segunda-feira, murmurar quase sem voz alguma música que cante a quentura que trazes pros meus pés que nem precisam mais de meia pra dormir. Melado, apaixonado, infantil. Mas me ensinavas até meia hora atrás a importância de ser, sem ao menos ter porquê. Dizias pra me aceitar, fazer piada. Lição de amador. Gosto de quem nem soube trocar o sabor do picolé na boca. Será que eu posso mesmo dizer que te amo? Tu não duvidas, mas não dimensionas. Um menino cheio de dentes e gestos e pele de bebê quando faz a barba. Um menino que podia se abraçar em mim no frio. Me esconder com braços propositalmente compridos de qualquer bicho selvagem que imitasse muito bem. Devo amar um presente? Me aquieto porque amor é fruto encaroçado. E, preferindo que eu não diga nada, amo tua pele com os olhos.
A gente passa a dar valor nos filmes repetidos na tv, nas músicas paleozóicas, nos tropeções pela casa, quando gosta de alguém. Entende que mil quilômetros é muito quando sente cada metro se desenrolar como uma ponte levadiça até a Coreia do Norte. E só chora baixinho porque é de saudade.

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