quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Do outro lado

De uma noite gasta em solidão, biscoitos doces demais e alguma música, resultou aquilo que, vagamente, denominamos mistério. Discreto, ainda que com muita graça, despontou na minha frente um gostinho de sincero sentimento. Prato cheio pra uma cabeça desocupada de pessoas, sinestésica em contemplar emoção. Porque quem apareceu era personificação de um sorriso. Felicidade como na boca de uma criança: sem explicação.
Mas mistério que se preza, não caminha só - é tinhoso. Pois que trouxe consigo uma parede densa de vidro. Eu não podia sentir com as ferramentas usuais. Boca, ouvido, pele, nariz. Um pouco de olhos, sempre eles, indicavam uma placa imaginária: é aqui. Parece tortura, só que foi acalento. Com um estratagema, eu atravessaria as leis da física. Transporia meus medos (os dele também, quem sabe) e brincaria de esconder. Andaria nua por entre seus dentes. Um dia.
Pequenas amostras de curiosidade e afeto entre meros estranhos, de tempos em tempos, evitavam que perdêssemos o contato. Madrugadas insones enquanto nos víamos em reflexos do vidro, mesmo que o sono viesse dois segundos depois de nos despedirmos quase sem voz. Nenhuma resposta consistente. E é melhor pular até a parte do encontro. Pois que, sem pressa, descobrimos que nenhuma parede é infinita num planeta redondo e achatado nos polos. Andei tanto pra achar não uma greta, uma fresta, um buraco: ele me esperava junto à porta. Então mãos podiam agir, vozes eram atendidas e nossos narizes se esbarravam. O mistério era ele existir assim como eu existia. Era poder escorregar meus dedos miúdos pela blusa, examinando até os esparadrapos no corpo. Pausa na velha falta de sentido das coisas. Eu só não esperava sentir tanta tanta tanta saudade - essa palavra intraduzível e ímpar em sinônimos - quando reatravessei a porta. Dormir com seu gosto e acordar com a impressão de ter sido roubada, de terem concretado logo aquela parede. Uma cabeça repleta de hormônios, memória e saudade; a vontade de tê-lo todo, em prosa e verso, em rima e riso, espalhando seu cheiro no meu ombro.
Diz então que não some, que do seu lado da parede a gente ainda tem um espacinho pra sair e procurar aventura ou pra deitar no chão e contar história. Diz também que a gente é bobo, que tudo passa e que eu preciso ficar pra aprender a sentir com seus sentidos e arriscar um dedo de cavaco. Que as coisas simples e as loucuras são fáceis comigo. Que dá pra fugir sem rumo pra eu beijar sua orelha. É a nossa verdade, a partir de uma noite onde nada era esperado e, no entanto, já me esperava. E agora, surpresa, a espera tem graça: eu sei que você e eu vamos devagar - e sempre, até onde for.

Um comentário:

  1. Vc postou!! =DD gostei muuito desse. Eu li poucos posts seus, tenho que ler com calma pra entender tudo hahaha, esse tá mais fácil. Parabéns de novo XD

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