segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Alvorecer

Acordo, ainda não posso dizer que é dia. Timbres ásperos denunciam o gari que antecipa a vida em luz. Postes meio apagados fazem as vezes de sol num céu cinza. Há o frescor das cinco horas. Há pássaros que piam, mas evitam voar. Coldplay me faz cantar baixinho de melancolia quando ligo a televisão: don't you shiver?
Tantos mundos parecem coexistir ao longo dessas horas. Interajo com as plantas e a brisa. Porém sei que estou sozinha. Estamos todos, mesmo dormentes. Quanta beleza existe nisso, e quanto silêncio. Uma tarântula caminha sobre a janela desfilando seu veneno. Sei que ela pode me matar e, sem dúvida, desconfia da hipótese inversa. Contudo, não torcemos pelo embate. De novo entendo a coexistência: vivemos e podemos nos matar - até temos motivos para fazê-lo - mas entre nós cabe um bocado de medo e misantropia. Deixo que a aranha ache seu próprio precipício, julgando ter reconhecido o meu: incrustado nas paredes do quarto, emaranhado na inquietude da praia repousante dentro do peito. Sal, areia e a vastidão do mar. Tenho coqueiros que choram. Sinto saudade, quero me perder nela. São caminhos imantados. Que mal tem eu me esconder num latão de lixo? Guardo o receio de afogar naquele mar denso e pesado. Não suponho haver rotina leve, ainda que os pássaros estejam esperando o tempo certo de voar. O vento seca minhas costas. Estou, de fato, acordando. O que é preciso ser dito? Sinto sim, clara, a saudade. Dói acordar sozinha numa cama de dois, num mundo de seis bilhões, numa vida onde as tarântulas põem ovos sujos na janela e se atiram depressa em direção ao caos. Há tanto amor disperso no ar. Há moscas esperando os sapos engolirem-nas. Contudo, podem sofrer de indigestão ou falta de fome. O amor se deteriora, oxida. Injetamo-lo logo nas veias. Agora uma xícara de chá, por favor. Sem pressa e sem sede, porque o sol insiste em descansar. Insisto então em mim, só por precisar viver até você chegar. Ou até que eu chegue aí. É madrugada pra nós.

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