terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Astronáutica

Chamam 'lunático' aquele moço aluado, excêntrico, proseador com a lua. Alheio, encasulado. Sempre conversei com as estrelas, desde que aprendi a observar um céu acostumado a ignorar limites. Pensar que, se dou nome aos sentimentos e vejo dimensões palpáveis nisso, posso canalizar um bocado de carência e enganar a solidão. É como falar com Deus, a gente não tem resposta. Nem pede por uma. O que, quase nunca, evita que eu chore e narre histórias sem pudor algum, que sussurre porque o tom de voz pouco importa, que faça pedidos e imagine meus mortos pregados no azul entorpecedor da noite, brilhantes. A noite densa guarda esses sábios - e vãos - desacompanhantes. Afinal, é impossível que me ouçam? Creio em todas as alternativas que substituam a previsibilidade geral; pessoas andam ocupadas demais conversando sobre 'acho-que-não-gostei-do-presente-mal-embrulhado-que-ganhei-no-amigo-secreto'. Natal também é sobre estrelas e presépios abarrotados de luzes artificiais, luzindo certeiras. Um amor renovável, atitudes prosaicas, inquietamento da alma. Pareceria um enorme clichê se, na verdade, ultrapassada a pequenez vigente, fôssemos todos compartilhadores de peru. O primeiro pedaço é de quem foi capaz de saciar um corpo lúcido. É de um amigo antigo, esquecido há muito pela distância. Paira, entretanto, a força ignóbil dos laços frouxos que ri de lunáticos. Insensatez carnívora. Não cabe troca de afetos durante a fartura da 'noite feliz'. Enchemos o peru de farofa até que ele pareça explodir. Fingimos, solenes, dentro de casa.
Inquestionáveis, enfim, são as exceções: torço para que haja mais lunáticos à mesa. Enclausurados num universo paralelo, citando poetas bêbados e enluarados. Vestidos como Raul Seixas. Queixosos, chorões, impávidos. Não esperam o dia seguinte para abrir os presentes: devoram, a seco, a carne do homem. Torcem por um único feixe a riscar o alto, o vasto, o cosmos feito de um salão onde comungam ideias e imaginação lisérgica. Sou uma moça que conhece um moço que proseia com estrelas. Ele habita meus sonhos e dá, a nós, alimento. Não tem rosto, mas passa o natal tomando cerveja num planetinha de nome escuso. Acha que é príncipe e estende a mão: convida-me a preencher devaneios e sorrir ao tropeçar em interjeições autoexplicativas. É eu me fechar no quarto, arrastar as cortinas e botar o rosto além da janela pra mergulhar num colosso fugaz. Ao amanhecer, meus olhos têm remela empoeirada. Poeira espessa, estelar.

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