terça-feira, 7 de junho de 2011

Contração

Essa manhã eu encolhi. Do alto de pouco mais do que as cinco réguas que bastavam pra medir minha altura, nessa manhã meus membros misteriosamente diminuíram. Mas não fiquei pequena a ponto de visitar caminhos secretos dentro do aparelho de televisão, nem virei uma espécie de duende brincalhão. Meus pés só constataram tal impotência porque andar já não significava estar. Progredir, descobrir - essa coisa dos verbos de motivação. Verbo é ação em 90% dos casos. Meus pés deixaram de agir. Minha voz não se fazia ponte pras palavras desembocarem. Conversar não era nada além de eco. Agora estática, não sabia por que ir sempre atrás das coisas. Cheiros, gostos, rostos, sensações palpáveis vindas de gente de isopor. Faltava por quem ir. No entanto, muitas vezes eu corria, num só fôlego, em direção ao erro. E sabia que ia cair. 
Por que é que a gente insiste tanto em se fazer alguém, onde é que cabe tanto pelo outro? Cabe nesse "mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração", de Drummond? A gente suporta mesmo crescer pelas mãos de alguém até o imenso das ideias? Agora eu não tinha medo de nada, agora eu só tinha a vaga consciência de que o tudo era pouco. Eu era pouco demais pra preencher a vastidão do meu próprio coração. 
Então eu parei num verbo de contra-ação. E encolhi até o ponto em que só pudesse enxergar o bruto da lasquinha de sujeira no chão. Não pra atolar nela, mas porque aprender é dispensável. Sofrer é cegueira temporária em olhos molhados, viver é mato. O bruto do pequeno me deixava encostar num canto, pensando nas coisas. Pensamento é movimento que ultrapassa a ação do verbo. Pensamento constrói e destrói sete mundos num par de segundos. Em pensamento eu desaprendi as leis dos homens, fiquei feliz por ser invisível quando, o que todo mundo mais quer, é ser preguiçosamente aparecido. Eu não quis viver a rotina de caminhada. Ventanias são, enfim, bem-vindas.
Quem sabe o vento não sopre um barulho de assovio ao pé do meu ouvido e, de repente, a vontade de correr com ele me conquiste? Quem sabe eu tropece, e não saia do lugar. Do tropeço surja poeira. Da poeira apareça uma outra lasquinha pensante que me faça companhia. Quem sabe o tempo faça tudo e a gente fique parado, rindo, que rir é bom demais. Quem sabe o tempo nada faça e a gente zombe dele. Não há de se confiar em estranhos, há de se esquecer do corpo que finge dizer que somos grandes. Essa manhã eu rompi minha casca em flor.

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