terça-feira, 20 de julho de 2010

Encontro


Pintei seu rosto de verde enquanto a gente ouvia um cover dos Smiths. Você já entrando nalguma viela da mente, eu coçando sua falha no cabelo. Relógios foragidos sem promessa de recompensa. Seu rosto pintado de verde preterido pelo sorriso porque os dentes remetem ao pecado da gula, ao desajuste do calendário. Sem querer vi nascer um maço de gérberas atrás da minha orelha. Surpresa, entendi meio ressabiada a possibilidade do cuidado. Mãos zelando por mim. Olhos complicados de encarar justamente por refletirem o frescor desencontrado da pouca idade - meu desencontro. Corpo distraído pela imprudência vertiginosa dos meus dedos. Dia sim, dia não, sonhei com um gramado onde beijava um menino desconhecido. Smiths transformados em Beatles. Eu sendo Penny Lane, Anna, Clarabella, sua wild honey pie. Talvez uma despedida de Eleanor e da solidão dos traslados, da fuga insensata daquilo que chamavam por destino. Era louca renovação. Dei a chance de me enfeitar pra você com aquelas flores. Deixei que seu tronco me sustentasse. Nos aninhamos quando, ao servir o café, você botou torrões de açúcar nos meus sentidos - todos eles.
Finalmente uma história de cinema: dois estranhos numa livraria na seção de rock. Uma menina pequena, vestida em psicodelia e de mãos suadas. Um rapaz que tremia até os cotovelos. Juntos como namorados, perdidos em protocolos e cerimônias: qual é melhor hora pra beijar você? Entre as 24, escolheria aquela em que seu perfume se impregnou no meu vestido. Ou a outra em que ouvi seu coração desesperado. Ou a das mãos dadas. Entre as 24 horas do dia bastariam os longos minutos de silêncio ao seu lado. Uma tomada longa sustentada pelo riff de here comes the sun e, ao fundo, uma amoreira. Amor não é poeira, luz baixa e sussurro. É a clareza da manhã amarela, sanduíche de presunto com suco de melancia e sorvete. Paixão é ouvir The Smiths, o amor vem com os Beatles. How soon is now? Let it be.

3 comentários: