domingo, 29 de agosto de 2010

O amante


Dias desmembrados em acontecimentos desconexos, pessoas tão apressadas e pouca espontaneidade vagando até o momento em que somente a imensa calmaria do céu posto com lua cheia aguça os sentidos pardos - ali nada precisa ser compreendido. Deu-se, alguma vez, maior presente que os claros hiatos de agosto? Talvez uma pintura de Van Gogh capturasse algo entre a beleza e o esplendor da noite em prosa. Mas a solidão é tanta. Ao me deparar com os desejos aniversariantes, percebo - bem lá onde já não me atrevia a voltar - a carência transcendendo o subliminar. Aqui, sim, é preciso tocar e explorar, para então dissecar as dúbias entrelinhas. Não sou poeta, entretanto, por vezes, os dedos de palavras tentam transpor o frêmito das quase duas décadas sentada, ainda que de mãos pulsantes, num meio-fio qualquer. A lua é uma espécie de antessala sussurrando ''acompanho-te durante a sobremesa''. Desejo gente nos meus aniversários. Uma raposa, o charmoso Escobar ou Jonathan, de Adélia Prado. Alguém em quem possar dar uma porção de mordidas no queixo, um menino com as calças certas. Há tal desespero em ser querida. Mais ainda em querer agarrar pelas unhas o cheiro de travesseiro impregnado nas bochechas dele. Só que eu não o acho. Juro que procuro em tantos olhos, cada lua vem sussurrar ''acompanho-te...' e não basta. Sinto medo, sinto fome, sinto coceirinhas na barriga. Quem dera fosse inferno astral, tristeza repentina ou vontade de chorar, mas acabar prendendo as lágrimas. Digo ser saudade, não me acostumando por não querer que passe. Eu busco músicas que cantem nosso amor. Abuso do controle remoto em cenas onde aparecemos comendo biscoitos no sofá. Rio dos sonhos quando acordo. É sufocante, e me prende à vida. Até que nos encontremos: lua nova, janeiro, um jardim de Renoir. Nós dois, único número primo que é par. Matar a podridão daquela imagem inclinada: cabelos longos de uma menina curta sentada ao meio-fio. As ruas daqui nem são importantes, têm nomes de homens velhos e burocratas. Espero a caixa diminuta em que trará um anel de vidro. Meu Jonathan mandará ladrilhar a longa rua e fugiremos dali. Escobar cuidará dos meus olhos. A raposa lembrará sempre da eternidade do encontro. Tem que ser pra logo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário